Contexto exigente e ríspido pode colaborar para que que as pessoas tenham perfil que reage inadequadamente e exageradamente frente a seus erros, o que pode desencadear quadros de transtornos da ansiedade.

 

Em tempos em que a fórmula para o sucesso parece ser cada vez mais regressiva – ou seja:  ter uma carreira boa significa frequentar uma excelente universidade, o que requer uma excelente escola, que significa que o ensino fundamental tem que ser de qualidade também e tudo começa com uma educação infantil das melhores.

O ônus fica todo em cima dos pais (que pensam assim) em ter que exigir, exigir, exigir. Querem suas crianças com o pé dentro da universidade garantido o mais cedo possível, antes mesmo de elas saberem amarrar seus próprios tênis.

Mas será que esses pais estão “certos” ao fazer isso? Deveriam mesmo adotar essa postura mais “militar” – no sentido de exigente, de não dar brechas – adotando a estratégia do castigo e punição, com níveis altos de crítica ao desempenho ruim? Ou será que deveriam  encorajar suas crianças com mais ternura e serem mais maleáveis? Qual dos modelos vai conduzir a uma saúde mental?

Já faz algum tempo que evidências na área de psicologia e pedagogia mostram que pais mais controladores e que incentivam seus filhos com broncas e críticas e um nível de exigência alto podem estar desenvolvendo um sistema de emoções nessa criança que é solo muito fértil para o desenvolvimento de muitos transtornos da ansiedade. Transtornos que vão acompanhá-los pela vida e muitas vezes serão identificados apenas depois de adultos, quando já viraram transtornos.

Num estudo publicado em Novembro de 2020 nos EUA, os pesquisadores coletaram memórias de infância de mais de 4.000 adultos de todas as idades e correlacionaram essas memórias com uma autoavaliação desses adultos a respeito da sua saúde emocional e mental. Os achados sugerem que crianças com pais ríspidos e autoritários terão muito mais dificuldades em se adaptar às adversidades da vida adulta.

De acordo com um trabalho recente feito pelo psicólogo clínico Greg Hajcak Proudfit, da Universidade de Stony Brook, pais críticos e punitivos exercem tais efeitos negativos de forma persistente e duradoura porque isso tem um efeito e treino na mente e no cérebro da criança para focalizar exageradamente em seus erros. Pais que condenam erros em seus filhos ensinam à criança que errar é ruim. A cultura de condenação ao erro e às falhas está enraizada em nossa sociedade. Isso abala a nossa autoconfiança. Somos perseguidos pelo fantasma do perfeccionismo e do não poder errar. Achamos que temos que ser perfeitos para sermos amados.

Como consequência, nos tornamos disfuncionais. Não desenvolvemos nossa capacidade de sermos auto-eficicácia.

“A auto-eficácia é definida como o conjunto de crenças que uma pessoa tem a respeito da sua própria capacidade de produzir níveis elevados de performance que afetam a sua vida”

 

(Albert Bandura, Universidade Stanford)

As crenças sobre a auto-eficácia e auto aceitação determinam como as pessoas pensam, sentem, se motivam e se comportam.

A forma mais efetiva de criar o sentido de auto-eficácia no ser humano são as experiências. Experiências bem sucedidas constroem crenças robustas. Experiências em que a criança fracassou, minam essas crenças, especialmente na infância, quando o conceito de auto-eficácia ainda não está construído. Um complicador: se essa criança é punida ou desestimulada mediante o fracasso, a coisa se complica ainda mais. Punir o fracasso gera medo de tentar novamente. O medo de tentar massascra a criatividade. É uma forma de desenvolver a desistência e não a persistência. É muito arriscado tentar, sendo que a possibilidade de errar vem seguido de um sofrimento, uma crítica, uma repreensão.

O contrário  também é absolutamente verdadeiro: se as pessoas passam por experiências em que sucedem facilmente e o fracasso é aceito como “parte do jogo”, elas passam a ter expectativas de que sempre obterão resultados de forma fácil e são facilmente desencorajadas pelo fracasso. Elas tentam mais vezes pois fracasso não as assusta. Ou seja: são mais criativas e saudáveis. Elas evitam o fracasso porque confiam que vão ser bem sucedidas e não por medo do erro, da punição, do sofrimento.

Quando erramos, nosso córtex pré-frontal – logo atrás da parte central da nossa testa – produz um padrão elétrico previsto chamado ERN –  Error Related Negativity (Negatividade Relacionada ao Erro).

Presume-se que esse ERN é uma forma do nosso cérebro nos “colocar nos trilhos” novamente (autocorreção) para nos chamar a atenção e aprendermos a não cometer o mesmo erro novamente. Mas isso é um mecanismo intrínseco que serve para quando estamos executando tarefas mais generalizadas, como por exemplo aprendendo a andar de bicicleta e caímos. Caímos porque não vimos uma pedra ou um buraco, por exemplo. Uma resposta ERN é gerada para que “aprendamos” na próxima vez a prestar mais atenção e assim evitamos a queda e, consequentemente, o machucado.

A genética nos mostra que trazemos conosco, em nosso DNA, variações nas características e na força da resposta do padrão ERN entre os indivíduos. Mas o estudo do psicólogo Proudfit  mostra que pessoas expostas a uma educação infantil de pais mais ríspidos, condenadores, críticos e intolerantes ao erro tem forte papel nessas respostas cerebrais.

Em um estudo de co-autoria de Proudfit, com um de seus estudantes, Alex Meyer, o padrão cerebral ERN foi medido  em aproximadamente 300 crianças de 3 anos e mais tarde quando essas crianças completaram 6 anos.  O padrão foi medido durante um experimento em que as crianças recebiam um quebra-cabeças para montar na presença dos seus pais. As interações observadas variaram numa escala que muitos consideram normal: nenhum dos pais foi abusivo frente aos erros. O comportamento dos pais foi categorizado baseando-se em 1) quão controladores eles eram na tarefa – por exemplo, tomar frente e corrigir imediatamente se a criança cometia um erro- e 2) o quanto eles eram calorosos e afetuosos ao dar feedback.

Os pesquisadores também  pediram aos pais para descreverem suas estratégias de feedback, para entender se eles tinham uma tendência a encorajar a criança frente ao erro ou de serem mais ríspidas e punitivas e o porquê dessa postura. O grupo de pais punitivos mostrou indivíduos mais controladores e pouco afetuosos – um perfil crítico e mais hostil.

Os relatórios dos padrões de ERN dos filhos de pais mais críticos e hostis demonstraram ser mais amplos na avaliação feita 3 anos depois. Além disso, as crianças com pais punitivos e críticos e com padrões ERN mostraram sinais e sintomas de transtornos da ansiedade na segunda avaliação, feita aos 6 anos.

De acordo com Proudfit, crianças expostas à crítica ríspida aprendem a internalizar  essas respostas dos pais e a ERN – normalmente um sinal de precaução do cérebro com uma função saudável  –  se arma sem necessidade e se torna um gatilho para sintomas da ansiedade.

Sabemos que o perfeccionismo é um dos traços mais fortes e mais gritantes de uma pessoa com transtorno de ansiedade. Errar e não aceitar o erro é um dos gatilhos mais fortes da ansiedade.  Para um ansioso, o senso de auto-eficácia está construído em uma estrutura frágil e pouco confiável.

O senso de auto-eficácia requer na verdade experiências em superar obstáculos por meio do esforço perseverante. E essa não é a biografia de um ansioso. Nem de longe.

Em uma situação ideal, algumas dificuldades enfrentadas nas buscas humanas servem como propósito para ensinar que suceder em algo requer esforço contínuo. Depois que as pessoas se convencem que elas tem os recursos para suceder, elas perseveram frente a adversidade e rapidamente se recuperam das adversidades…dos fracassos. Pela perseverança e pela insistência em momentos de dificuldades, elas emergem mais fortes das adversidades. Não pela crítica ou pela punição. Essa é uma forma de construir seres saudáveis, auto-eficientes e não patologicamente ansiosos.

Uma outra forma de construir uma crença de auto-eficácia é pelo modelagem social. Observar pessoas semelhantes terem sucesso pelo esforço contínuo aumenta e reforça a crença do observador de que ele também possui essa capacidade de se aperfeiçoar em atividades semelhantes. O mesmo acontece com o fracasso.

As pessoas buscam modelos de proficiência que possuam as competências que elas aspiram. Por meio dos comportamentos e da maneira de pensar dos  modelos, os modelos de competência transmitem conhecimento e ensinam habilidades efetivas e estratégias para gerenciar as demandas do ambiente e do contexto. Adquirir recursos melhores aumenta a auto-eficácia percebida. 

De uma maneira geral, a educação dos pais projeta nos filhos suas dificuldades em aceitar os próprios fracassos. Pais exigentes com seus filhos provavelmente são exigentes consigo mesmos. E esse é o modelo que esses pais estão apresentando a seus filhos. Em algum momento essa mensagem é transmitida e a modelagem se faz de forma não saudável.

Outra maneira é a persuasão verbal: é uma forma de fortalecer a crença de uma pessoa de que ela tem os recursos necessários para suceder. A persuasão verbal para convencer as pessoas que elas possuem as capacidades de aperfeiçoamento tende a mobilizar maiores esforços e sustentá-los. Muito mais do que questionar as limitações e focar na falta de habilidades e nas suas deficiências.

Atitudes de incentivo frente a uma tarefa, levam a pessoa a se esforçar mais para suceder do que uma atitude de criticá-la e apontar onde está falhando. Isso acontece por uma razão muito simples: essa atitude de incentivá-la promovem o desenvolvimento de habilidades específicas e o sentido de auto-eficácia.

Pessoas que foram persuadidas pela abordagem da falta da habilidade ou falta da capacidade necessária para a tarefa, tendem a evitar atividades desafiadoras – que poderiam desenvolver suas potencialidades – e desistem rapidamente frente a dificuldade. O ato de  minar a motivação e desacreditar a capacidade do indivíduo dá origem e reforça esse comportamento, perpetuando-o.

Muitos cientistas examinaram o impacto das crenças em torno  das formas de adaptação ao mundo atual. 

“Obviamente todos cometem erros,” diz Proudfit. “mas se a criança está se punindo mais do que seus coleguinhas, nesse caso pode ser o início de uma trajetória de risco que conduz a criança a desenvolver um potencial quadro de transtorno de ansiedade”.

Tanto Proudfit quanto Bandura nos indicam uma reflexão, cada um à sua maneira. Seja pelo caminho da neurociência ou pelo caminho da psicologia, uma coisa é fato: condenar o erro é um erro.

O medo de errar, que impede as pessoas de suceder em várias tarefas simples e complexas na vida, acabam desenvolvendo indivíduos inseguros, sem autoconfiança, ansiosos em um grau maior ou menor. Isso tudo pode ser revertido. Esse é o desafio maior em ser pai hoje. Muito maior do que garantir uma entrada na universidade para uma carreira de sucesso.

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